Gem Archer fala sobre reencontro com Noel e Liam, parceria com Bonehead e o futuro do Oasis
Guitarrista bateu um papo com a Guitar World após a Live ‘25 e contou alguns bastidores da turnê mais concorrida do ano
Via Guitar World
Depois de rodar o mundo em 41 shows com o Oasis reunido, Gem Archer está pronto para descansar. Antes de a banda anunciar o retorno, em agosto de 2024, os fãs imploravam por isso, mas sem muita esperança, e quando a notícia veio, muita gente se perguntou se Liam e Noel Gallagher conseguiriam manter a paz.
Contra todas as probabilidades, conseguiram, e mais do que isso. Archer diz que já sabia que a turnê Live ’25 seria bíblica. “Essas músicas, tocadas naquela ordem, são simplesmente imbatíveis”, afirma. Agora, todo mundo quer saber qual será o próximo passo do Oasis.
“Eu ainda não sei diferenciar a bunda do cotovelo”, brinca Archer. “É hora de desacelerar.” O sentimento ecoa o comunicado oficial da banda: “Haverá agora uma pausa para um período de reflexão”.
Negando qualquer conhecimento sobre planos futuros, o guitarrista acrescenta: “Não é algo que você simplesmente liga e desliga. Todos nós dissemos que só vamos entender o que foi isso no ano que vem. Foi realmente um turbilhão”.
“Eu toparia fazer mais”, continua. “Mas, neste momento, faz só algumas semanas que a gente estava tocando no Brasil. Tenho coisas espalhadas pelo chão que ainda são da turnê. Ainda é meio ‘o que foi que acabou de acontecer aqui?’”.
Quando você soube que o Oasis ia voltar, já sabia que faria parte disso?
Recebi a ligação dizendo que a banda ia voltar e respondi: “Certo, e quem está na formação?”. Eles disseram: “É a banda, mas com o Bonehead”. Na hora eu pensei: “Uau, isso vai ser diferente, mas ao mesmo tempo igual”. Eu sabia disso havia meses e meses antes de todo mundo, o que é a coisa mais estranha de se guardar quando as pessoas ficam te perguntando. No dia do anúncio, de manhã, recebi uma mensagem da minha filha dizendo: “Você mentiu pra mim!”. E outra do meu filho: “Então é você que vai trocar de número agora!”.
A dinâmica com o Bonehead chama muita atenção, já que você basicamente ocupou o lugar dele quando saiu do Oasis em 1999. Como foi conhecê-lo melhor?
Eu já o tinha encontrado várias vezes ao longo dos anos e sempre achei ele um cara incrível. Minha esposa era muito próxima dele, então pensei: “Perfeito!”. E agora o conheço muito melhor, é quase como se fosse um irmão.
O que você pode dizer sobre o Bonehead como guitarrista?
O Bonehead é a cola que faz todo o resto soar bem. Ele é subestimado como guitarrista base. Entrei em 1999, mas, da forma como as coisas aconteceram, eu não estava substituindo ele, era simplesmente um outro caminho. O Oasis precisava de duas guitarras, claro, mas não foi como se o Noel tivesse dito: “Você vai tocar só acordes com pestana e pronto”. Quando entrei, estava tudo em aberto.
No primeiro ensaio, quando nem tínhamos um baixista ainda, estávamos numa sala minúscula tocando umas seis músicas, e o Noel disse: “Sabe aquela parte de Cigarettes and Alcohol? Você consegue fazer aquilo?”. Eu pensei: “Bom, isso abre tudo”.
Desenvolvemos esse lado do Oasis. Eles tinham acabado de gravar Standing on the Shoulder of Giants e o primeiro single foi Go Let It Out. Acabei tocando as linhas de lead ao vivo. E músicas como Gas Panic! já eram diferentes, tinham seguido outro rumo.
Então não era substituir o Bonehead, porque era outra coisa. Agora, tocando com ele, é como se ele fosse a fundação, é a cola que faz todo o resto soar bem. Ele acaba sendo subestimado como guitarrista base porque tem um feeling muito próprio.
Não quero falar por ele, mas é como se estivesse tocando um violão acústico com um som de guitarra elétrica super carregado. Ele tem um jeito só dele. Muitos de nós, se colocássemos aquela guitarra naqueles amplificadores, não tocaríamos com a liberdade que ele toca.
Houve muita especulação sobre como o Oasis com três guitarristas funcionaria, mas tudo se encaixou lindamente. Vocês conseguiram reproduzir as camadas de guitarra dos discos.
Realmente abriu tudo, abriu completamente. No nosso primeiro encontro, o Noel disse: “Você já esteve numa banda com três guitarras?”. Eu respondi: “Tá brincando?”. E ele: “Vamos deixar o Bonehead ser o Bonehead, e a gente se encaixa em volta disso”.
E você também não está tentando capturar cada mínimo detalhe. Você não pode atrapalhar a música. Em Cast No Shadow, por exemplo, eu toco slide. Antes, nunca teria espaço para isso.
Você também fez solos lindos em Whatever.
A gente foi resolvendo isso entre nós. Às vezes o Bonehead pegava um violão acústico ou uma elétrica. Em Morning Glory, eu estava fazendo uma coisa no refrão e o Noel falou: “Você sempre fez isso?”. Eu respondi: “Não, mas agora que temos três guitarras, posso fazer!”.
Aquilo era só um overdub, e como sabemos, tem milhões de overdubs, isso é muito o Noel. Ele é incrível em empilhar guitarras. É tudo muito cheio, mas mais limpo do que você imagina, embora tenha sujeira ali também.
O som do Noel já é enorme por si só. Se você ouve o soundcheck, o rig dele é colossal. Mas funciona por causa da forma como ele toca, não sai do controle. No meu in-ear, tenho o Bonehead à esquerda, o Noel à direita e eu no meio.
E eu estou muito mais limpo do que você imagina. Não toco tanto quanto parece. O Bonehead é a base, então não preciso adicionar mais. Em músicas que fazemos há décadas, como Don’t Look Back in Anger, eu faço os preenchimentos e o Noel faz os solos, além de cantar.
Em Slide Away, faço o arpejo de introdução, mas o solo é do Noel. Em Stand By Me, fico só desenhando em volta do vocal até o refrão entrar, e aí é linha reta. Tem muita dinâmica.
Posso dizer que todo mundo achou que Champagne Supernova foi a melhor versão de todas?
Ela ganhou outra dinâmica, um feeling muito bom. Tudo partia da voz do Liam, da forma como ele estava cantando, aquilo permitia isso. Tinha uma grandiosidade épica, mas também uma melancolia. Então deixamos a música ser o que ela é.
Antigamente você tocava muito com Firebirds, mas seu equipamento mudou um pouco desta vez. Por exemplo, tem uma Epiphone Sheraton que veio do Noel.
Só para deixar claro: o Noel nunca me deu essa guitarra, ela ainda é dele. Todo mundo acha que ele me deu, mas é a guitarra que eu já tocava antigamente. Quando entrei no High Flying Birds, perguntei: “Você ainda tem aquela?”. Ele respondeu: “Tenho, sim”. E eu toquei com ela em todos os shows desde então. É uma guitarra absurdamente boa.
O que mudou na construção do timbre em relação ao passado?
Não se tratava de recriar meu rig antigo do Oasis, porque naquela época a gente tocava no limite o tempo todo. Quando o Noel tocava Wonderwall, por exemplo, ele usava uma Fender Telecaster bem suja. Agora eu precisava ir do som totalmente limpo até o Armageddon, e tudo entre esses extremos. Isso tudo passa pela escolha das guitarras. Tive a sorte de ter guitarras boas pra caralho para essa turnê.
Como vocês chegaram aos amplificadores Hiwatt?
Testamos algumas ideias e decidimos que eu e o Noel usaríamos o mesmo Hiwatt. Comparado ao High Flying Birds, é um som muito mais na cara. Os limpos precisavam soar como um sino, quase como um DI, mas com calor, para músicas como Half the World Away, Talk Tonight e partes de The Masterplan.
A partir daí, é tudo estágio de ganho, muitos e muitos níveis diferentes. Não usei modulação nenhuma. Era tudo reverb, delay e tremolo em cima dos ganhos. Tirando o começo de Morning Glory, que tem aquele efeito polifônico de oitava da Boss. No resto, talvez um boost limpo ou sujo, trabalhando em cima dos humbuckers encorpados, brilhantes e cheios.
Em Some Might Say, você simplesmente pega mais leve e o som limpa. Ele fica vivo nas minhas mãos. Já em Bring It On Down, eu ataco com força, e o som fica ali entre a ES-335 do Noel e a Epiphone do Bonehead. A Sheraton tem muita definição, que eu preciso para destacar linhas de lead, como em Don’t Look Back in Anger, que no disco foi gravada com uma Strat.
Sério?
Sim, acho que era uma Strat sunburst. Uma das primeiras vezes que fui à casa do Noel, ele disse: “Quer subir e ver umas guitarras?”. Aí falou: “Foi com essa que toquei Don’t Look Back in Anger”. Eu fiquei: “O quê?”.
Ele toca Strat com o High Flying Birds, mas no Oasis não é a praia dele. Ao vivo, ele não precisa de firula. É algo direto. Ele não vai sair do muro de som da Les Paul para, de repente, pegar uma Strat. Não precisa.
Antes da turnê começar, você já imaginava que seria algo gigantesco?
Tem duas respostas. Nenhum de nós esperava uma reação desse tamanho. Foi algo meio sem precedentes. A sensação entre a banda e o público era a mesma em todas as cidades. Cada show era uma celebração coletiva.
Em um deles, pouco antes de Don’t Look Back in Anger, o Noel disse algo como: “Agora vocês vão sentir como é estar na banda”. E foi exatamente isso. 80 mil pessoas fazendo parte da banda naquele momento. Isso só caiu a ficha depois de uns três shows.
Mas a outra resposta é que eu soube assim que vi o primeiro setlist. Não acreditei. Pensei: “Uau, e ainda nem chegamos em Supersonic!”. Daí pra frente foi insano. Os caras vinham ajustando isso há muito tempo. Começamos com algo como 27 músicas e acabamos com 23.
Como foi ver Noel e Liam juntos de novo como irmãos e parceiros musicais?
Eu não tinha visto os dois juntos até o primeiro ensaio. Olhar para o lado e vê-los a um metro e meio de distância um do outro deu a sensação de que nunca tínhamos nos separado. Mas eu estava com uma guitarra na mão, tínhamos trabalho a fazer, então era isso. Não teve clima de abraço, nem papo de “o que você quer de Natal”. Era trabalho sério.
Com o avanço da turnê, ficou claro que Liam e Noel estavam se divertindo juntos no palco.
Com certeza. Eles ficavam se zoando enquanto subíamos a rampa do palco, um no ouvido do outro. Mas quando a cortina abre, tudo muda. Vira o show. Mas eles são irmãos, e isso é palpável.
No fim da turnê, parecia evidente que o mundo queria mais. Existem planos futuros para o Oasis?
Eu não sei de nada. Não cabe a mim dizer. Qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada. Se algo estivesse acontecendo, acho que eu já saberia. Mas o Noel disse: “Sem descanso para os imensamente talentosos”. Interprete como quiser.




